terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Liberdade: um delírio

Vivemos num país livre!

Vivemos?

Bem, pelo menos este é o discurso que ouvimos tantas e tantas vezes de inúmeras pessoas: políticos, multidões em protestos e em alguns programas chulos de TV e rádio. Não sei nomeá-los exatamente, mas você concorda que não é muito raro o uso desta frase. Pois bem, vamos analisar a lista dos nossos direitos mais gritantes e conhecidos.

Primeiro: liberdade para ir e vir. Será que temos este direito? Ele está na constituição mas, quantas pessoas tem realmente condições de viajar? Conhecer novos lugares, cidades? Conheço gente que nunca viu o mar. Nunca saiu do estado em que nasceu, olhe lá da cidade. Liberdade? Bem, vamos ao próximo.

Segundo: liberdade de expressão. Piada. Expresse-se dentro de sua casa. Talvez sua família te ouça. Talvez continuem vendo a novela.

Terceiro: liberdade de escolha. Escolha de quê? De carro? Escola? Saúde? Companheiro? Roupa? Comida? Sim, temos esse direito, mas novamente pergunto: Quem tem condições para tal escolha? Compramos o que dá. Estudamos onde tem vaga. Somos atendidos onde tem menos fila, e por aí vai.

Sabe quando soltamos o passarinho que viveu muitos anos na gaiola? Das duas, uma. Ele morre de fome ou volta feliz para a gaiola, incapaz de ver o céu que o aguarda e observa. Para ele, dentro da gaiola, é livre.

Assim vivemos nós, batendo no peito feliz por termos nossa tão valiosa liberdade. Só esqueceram de nos dar condições para aproveitá-la.

O galo que zombou da raposa e dos homens

Um velho e sábio galo, percebendo a aproximação de uma raposa, empoleirou-se numa árvore. A raposa, desapontada, murmurou consigo: “Deixe estar, seu malandro, que já te curo!...” Em voz alta:

- Amigo, venho contar uma grande novidade: assim como no mundo dos homens, os bichos inverteram também seus valores! Agora o cordeiro persegue o lobo, o pinto come o gavião, o veado caça a onça e, imagine você, que o capim tenta devorar o gado.

- Bem percebi – responde o galo, pensativo – que os homens andavam as avessas. Vi o filho do fazendeiro dando ordens aos pais. Vi homens querendo ser mulheres e vice-versa, e agora, mais essa! Não é que a moda pega?

- Pois bem! – retruca a raposa com um sorriso quase obsceno – não vai descer daí, a fim de vingar os anos de perturbação que te causei?

- Melhor não – diz o galo olhando o horizonte cor de pêssego – vai que encontro uma minhoca faminta.

Moral: Contra esperteza, esperteza e meia.

Adaptado de “O galo que logrou a raposa” de Monteiro Lobato